Durante a adolescência, a cartilagem de crescimento (C.C.) da cabeça do fémur é extremamente activa. As células responsáveis pelo crescimento da cartilagem e transformação em osso são metabólicamente muito activas e influenciadas pelas hormonas do crescimento (aumentam a sua proliferação). Em determinadas situações, quando o stress mecânico sobre a cabeça femoral excede a capacidade de resistência da C.C., pode ocorrer uma separação entre a cabeça do fémur e o colo. A cabeça pode “escorregar” para trás e para baixo, alterando profundamente a biomecânica da anca.

Ocorre habitualmente entre os 11 os 15 anos, sendo mais frequente nos rapazes. Pode ser bilateral em 60% dos casos.

Manifesta-se na maioria dos casos por dor ao nível da virilha frequentemente irradiada para o joelho. Pode existir uma marcha com o membro em rotação externa e limitação dolorosa da rotação interna.

A deformidade resultante do escorregamento da epífise (cabeça femoral) resulta numa anulação e translação posterior que pode ser quantificada em graus (inferior a 30º, de 30º a 60º e mais de 60º. Até aos 30º a região do colo do fémur que fica saliente pode penetrar na cavidade acetabular e causar dano importante na cartilagem (mecanismo de tipo cam). Se a deformidade for mais acentuada a proeminência do colo femoral não penetra na cavidade acetabular e comprime o labrum acetabular danificando-o (mecanismo tipo pincer) (video1)

O diagnóstico é feito com base nas queixas da criança e implica um grau de suspeição clínica importante. A radiografia anteroposterior pode ser normal por isso é muito importante a incidência de perfil onde o escorregamento posterior normalmente é bastante evidente. (fig 1)

Figura 1: Em cima radiografia antero-posterior de uma criança com 12 anos e uma epifisiolise bilateral e a respectiva metedologia de medição do ângulo de escorregamento da epífise.


A lesão da cartilagem de crescimento pode ser aguda e a criança começa a ter sintomas de um modo abrupto, normalmente nestas situações a lesão é instável com incapacidade total para a marcha ou, pode ser crónica, com os sintomas a aparecerem mais lentamente. Nalguns casos crónicos pode existir agudizaçao dos sintomas (formas agudas em crónicas).

As possíveis complicações são a deformidade elesão da cartilagem do acetábulo (fig 2) Podem existir também alterações da nutrição arterial da cabeça do femur relacionadas com a própria deformidade. Se não tratada a epifisiolise leva ao aparecimento precoce de coxartrose (consulte a secção "Que doenças pode ter a sua anca?")


esquerda: lesão grave da cartilagem direita: visão artroscópica de uma lesão da cartilagem acetabular
 

Figura 2:
esquerda: lesão grave da cartilagem e do labrum causadas pelo mecanismo cam resultante de uma epifiolise com uma deformidade de 30º (cirurgia aberta)
direita: visão artroscópica de uma lesão da cartilagem acetabular causada por uma epifiolise com uma deformidade de 20º.(cirurgia artroscópica)

O tratamento da epifisiolise do fémur tem por objectivos impedir o agravamento da deformidade, encerrar a cartilagem de crescimento e corrigir a deformidade o melhor possível evitando as complicações.

O tratamento preconizado e que é aceite em muitos centros consiste na fixação da cabeça do fémur com um parafuso aceitando a deformidade que acaba por remodelar parcialmente desde que a angulação não seja muito grande. Pode, no entanto, persistir uma deformidade residual com mecanismo de conflito femuro-acetabular que condiciona uma marcha adaptada em rotação externa e potencial evolução para artrose.

Nos últimos anos, o conhecimento crescente sobre a nutrição arterial da cabeça do fémur levou ao aparecimento de técnicas mais avançadas de cirurgia. A cirurgia de “reorientação subcapital da epífise femoral (cabeça do fémur) é possível, desde que sejam separadas do colo do fémur e preservadas as artérias episisárias. Com esta técnica é possivel restituir a anatomia da anca (figs 4, 5 e 6)

epifisiolise tratada com fixação com uma parafuso

Figura 3:
esquerda: epifisiolise tratada com fixação com uma parafuso
direita: mesma anca passados 4 anos, observe se a remodelação pouco eficaz com uma deformidade tipo pincer resultante da zona proeminente do colo femoral (seta)

 

epifisiolise superior do fémur crónica bilateral numa criança de 12 anos

Figura 4: epifisiolise superior do fémur crónica bilateral numa criança de 12 anos

 

Figura 5:
em cima: a técnica de reorientação da epífise femoral permite isolar as artérias nutridoras da cabeça femoral juntamente com as inserções musculares posteriores do grande trocanter e separá-las do colo do fémur
Figura 5:
ao meio: a epífise pode ser separada do colo femoral. Para voltar à sua posição anatómica o colo femoral deve ser remodelado (linha a tracejado) de modo a que não exista o perigo de criar tensão nas artérias e assim existir risco de diminuir a nutrição arterial.
Figura 5:
em baixo: recolocação anatómica da epífise que deve ser fixada com parafusos. Com a redução anatómica a mobilidade volta ao normal. o controle visual direto sobre as artérias permite evitar alterações na perfusão arterial


o mesmo caso da figura 4 após reorientação da epifise femoral.

Figura 6: o mesmo caso da figura 4 após reorientação da epifise femoral.

O desenvolvimento da artroscopia tem contribuido também para a correcção das deformidades na epifisiolise superior do fémur e prevenir as lesões da cartilagem decorrentes do mecanismo de conflito femuro-acetabular. A artroscopia tem indicação quando a deformidade não for muito acentuada e deve ser associada à fixação simultânea da epifise femoral com um parafuso (video 2 e figs 7 e 8)

epifisiolise com um escorregamento pequeno mas com limitação importante da mobilidade da anca

Figura 7: epifisiolise com um escorregamento pequeno mas com limitação importante da mobilidade da anca. a seta mostra uma proeminência pequena do colo do fémur, mas suficiente para poder causar dano intra-articular (ver video 2 - teste de mobilidade mostra a proeminência a entrar na cavidade acetabular e danificar o labrum e cartilagem)

 

epifisiolise após correcção, semelhante à anca contra lateral

Figura 8: mesmo caso da figura anterior após correcção, semelhante à anca contra lateral

Video 2: Artroscopia da anca de uma criança com epifisiolise

Artroscopia da anca de uma criança com epifisiolise

Video1: Simulação da mobilidade da anca

Simulação da mobilidade normal da anca com a morfologia normal, com um escorregamento de 19º e com um escorregamento de 30º. A lesão da cartilagem e do labrum que ocorrem podem ser irreversíveis.

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